segunda-feira, 13 de setembro de 2010

SUJE-SE GORDO!

Por: Alessandra Carrasco Benatti

Dois amigos passeavam pelo terraço do teatro São Pedro de Alcântara durante a peça A Sentença ou Tribunal do Júri, quem conta a estória não tem certeza do nome da peça. O “amigo” do narrador começa a contar sua experiência como presidente do conselho do Júri ao narrador, vou chamá-lo de “amigo”, pois neste conto, Machado de Assis não dá nome aos dois sujeitos que começam o conto, aliás é o nome da peça que dá início a conversa quando o “amigo” do narrador diz que é contra o Tribunal do Júri, segundo ele:


“— Fui sempre contrário ao júri, — disse-me aquele amigo, — não pela instituição em si, que é liberal, mas porque me repugna condenar alguém, e por aquele preceito do Evangelho; “Não queirais julgar para que não sejais julgados”.”

Mas mesmo assim ele participou do Tribunal do Júri por duas vezes. Neste momento já se pode encontrar ambiguidade no texto machadiano, como alguém que repugna condenar pode participar por duas vezes de julgamentos. E diz que era tal o seu escrúpulo que, salvo dois casos, absolveu todos os réus, quer dizer o não julgar não coube para ele.

E ainda comenta sobre o caso do primeiro réu que condenou, em detalhes que estão abaixo:

“— Era um sujeito limpo, acusado de haver furtado certa quantia, pequena, com falsificação de papel, o réu não negou o crime, ele mesmo disse que Deus que via os corações, daria ao criminoso o verdadeiro o merecido castigo, falou isso sem ênfase, triste, a palavra surda, os olhos mortos, com tal palidez que metia pena; o promotor público achou nessa mesma cor do gesto a confissão do crime. Ao contrário, o defensor, mostrou que o abatimento e a palidez significavam a lástima da inocência caluniada.”

Depois disso houve o discurso de ambas as partes, briga boa. Então o presidente do tribunal resumiu os debates, leu os quesitos, tudo foi entregue ao presidente do júri no caso o “amigo”, o que aconteceu foi o seguinte:

“— Um dos jurados cheio de corpo e ruivo, parecia mais que ninguém convencido do delito, o processo foi examinado e votado, e as respostas dadas (onze contra um), só o jurado ruivo estava inquieto. No fim o réu foi condenado. Um dos jurados, certamente o que votara pela negativa, - proferiu algumas palavras de defesa do moço. O ruivo, - chamava-se Lopes, - replicou com aborrecimento:

— Como, senhor? Mas o crime do réu está mais que provado.

— Deixemos de debate, disse eu (“amigo”), e todos concordaram comigo.

— Não estou debatendo, estou defendendo o meu voto, continuou Lopes. O crime está mais que provado. O sujeito nega, porque todo o réu nega, mas o certo é que ele cometeu a falsidade, e que falsidade! Tudo por uma miséria, duzentos mil-réis! Suje-se gordo! Quer sujar-se? Suje-se gordo!

“Suje-se gordo!” Confesso-lhe que fiquei de boca aberta, não que entendesse a frase, ao contrário, nem a entendi nem a achei limpa, e foi por isso mesmo que fiquei de boca aberta.”

Machado é brilhante como sempre, ele deixa no ar o sentido da frase “Suje-se gordo”! que é também o título do conto, por isso mesmo faz com que o leitor pense sobre a frase e o título, só que cabe a cada um a interpretação do conto, eu mesma tive que lê-lo pelo menos umas quatro vezes para interpretá-lo e ainda assim procurei na internet uma resenha critica sobre o conto para me basear e poder fazer a minha própria resenha.

Confesso-lhe que para mim a expressão “Suje-se gordo”! é ambígua, pode ter o sentido tanto para o bem quanto para o mal, pode ser que seja “quer roubar, roube mesmo” no sentido de “Dane-se” ou no sentido de “quer fazer faça!”, “aproveite”. Sendo assim fica a critério de cada um o que a expressão “Suje-se o gordo” quer dizer.

Continuando o conto, o “amigo” sai do Tribunal pensando na frase do Lopes, depois de um tempo caminhando ele diz ter entendido o sentido de “Suje-se gordo”! diz que quer voltar para cumprimentar Lopes, mas não o faz e diz o seguinte:



“— “Suje-se gordo!” era como se dissesse que o condenado era mais que ladrão, era um ladrão reles, um ladrão de nada.”

Nesta frase o “amigo” encontra ou pelo menos pensa que encontra o sentido da expressão “Suje-se o gordo!”, ou seja, quer se sujar por pouca coisa, então que o faça, um reles ladrão é pior do que ser um ladrão que rouba muito porque se for apanhado será por uma quantia alta e terá se sujado por muito.

Depois de muito tempo, o “amigo” foi chamado a participar novamente do Tribunal do Júri, e diz a seu filho que não irá por causa do preceito evangélico, o mesmo que usou no principio do conto, mas o filho o convence a ir, pois diz que ele faltaria com um dever de cidadão se não o fizesse.

Foi e julgou três processos, um deles era de um empregado do Banco do Trabalho Honrado, era um homem magro e ruivo, e quem era? Era o Lopes, o ruivo, só que agora estava magro, mas o “amigo” o reconheceu, é era o mesmo que disse “Suje-se gordo!” e que fizera parte do Júri, porém agora se encontrava na posição de réu, ao invés de julgar seria julgado.

O “amigo” não consegue acompanhar atentamente o interrogatório, quando se deu conta disso já estava no final, segundo ele, Lopes negava com firmeza tudo o que lhe perguntavam, ou respondia de maneira complicada, circulava os olhos sem medo, nem ansiedade, por fim ocorreram os depoimentos e o “amigo” comenta:

“— Eu ouvia ler ou falar e olhava para o Lopes. Também ele ouvia, mas com o rosto alto, mirando o escrivão, o presidente, o teto e as pessoas que o iam julgar; entre elas eu. Quando olhou para mim não me reconheceu; fitou-me algum tempo e sorriu, como fazia aos outros.”

Então houve os debates entre advogado e promotor e o “amigo” pensa:

“— Enquanto os dois oradores falavam, vim pensando na fatalidade de estar ali, no mesmo banco do outro, este homem que votara a condenação dele, e naturalmente repeti comigo o texto evangélico: “Não queirais julgar, para que não sejais julgados”. Confesso-lhe que mais de uma vez me senti frio. Não é que eu mesmo viesse a cometer algum desvio de dinheiro, mas podia, em ocasião de raiva, matar alguém ou ser caluniado de desfalque. Aquele que julgava outrora, era agora julgado também.

— Ao pé da palavra bíblica lembrou-me de repente a do mesmo Lopes: “Suje-se gordo!” Não imagina o sacudimento que me deu esta lembrança. Evoquei tudo o que contei agora, o discursinho que lhe ouvi na sala secreta, até àquelas palavras: “Suje-se gordo!” Vi que não era um ladrão reles, um ladrão de nada, sim de grande valor. O verbo é que definia duramente a ação. “Suje-se gordo!” Queria dizer que o homem não se devia levar a um ato daquela espécie sem a grossura da soma. A ninguém cabia sujar-se por quatro patacas. Quer sujar-se? Suje-se gordo!”

Na narrativa acima o “amigo” quer reafirmar o sentido de “Suje-se gordo” adotando a mesma concepção que idealizou por ocasião da primeira vez no Tribunal do Júri ,que é quer se sujar por pouca coisa, então suje-se! O que mais me chama atenção nesse trecho é que a vida dá muitas voltas e Machado mostra isso quando coloca Lopes, o ruivo, no primeiro julgamento como jurado e no segundo como réu, quer dizer nunca se sabe pelo que teremos que passar, ou do que somos capazes de fazer e cometer.

Em seguida acontece o julgamento de Lopes, o incrível é que o “amigo” que é contrário ao julgar as pessoas condena Lopes, mas por nove votos a três Lopes é absolvido, absolvição a qual ele não teve parte alguma. E ainda diz:

“— A diferença da votação era tamanha que cheguei a duvidar comigo se teria acertado. Podia ser que não. Agora mesmo sinto uns repelões de consciência. Felizmente, se o Lopes não cometeu deveras o crime, não recebeu a pena do meu voto, e esta consideração acaba por me consolar do erro, mas os repelões voltam. O melhor de tudo é não julgar ninguém para não vir a ser julgado. Suje-se gordo! suje-se magro! suje-se como lhe parecer! o mais seguro é não julgar ninguém.”

Em suma até no final do conto o “amigo” continua negando o preceito evangélico que cita desde o início do conto, porque mesmo depois de votar pela condenação de Lopes, ele diz que o melhor é não julgar, mas eu concordo com Machado de Assis o melhor mesmo é não julgar os outros, então que cada um cuide da sua vida como melhor lhe prover, e conclua do conto como achar justo, já que o que Machado quer mesmo é provocar no leitor o pensamento, a critica, a opinião.

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