segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O Segredo do Bonzo

Por: Janaina Silva – RA:151163

Capítulo inédito de Fernão Mendes Pinto
Narrado em primeira pessoa, O Segredo do Bonzo surge de um fato absurdo, mas que possui um profundo sentido: a virtude e o saber tem duas existências paralelas: uma no sujeito possuidor; outra, no espírito de quem ouve ou contempla, pois “não há espetáculo sem espectador”. A moral do conto é: “a essência é a aparência”. Persuadir o próximo.
Fernão Mendes Pinto (1510-1583) viajante e escritor português de vida bastante acidentada. No livro póstumo, Peregrinações, deixou registradas as aventuras e as observações das viagens que fez pelo Extremo Oriente. Suas narrativas foram consideradas, durante muito tempo, puras invencionices, inspirando o trocadilho: Fernão, mentes? - Minto.
Segundo o narrador, "uma coisa pode existir na opinião sem existir na realidade" e vice-versa. Por isso, "não nos cabe inculcar aos outros uma opinião que não temos, e sim a opinião de uma qualidade que não possuímos". O conto analisa a capacidade que alguns homens têm de persuadir o próximo.
Com O Segredo do Bonzo (publicado em Papéis Avulsos, de 1882), Machado de Assis retoma uma disputa teológica narrada por Mendes Pinto: no exótico Japão, um padre português é invejado por sacerdotes budistas devido aos favores que o rei lhe dispensava. Percebendo as discretas indicações de Mendes Pinto, que, propositadamente, omite a resposta do padre aos Bonzos, o escritor brasileiro escapa ao óbvio, pois percebe que toda a disputa, aparentemente religiosa, na verdade consistia numa luta pelo prestígio social e favores reais, transformando, assim, os Bonzos em charlatões que enriquecem às custas da crendice do povo e desmascarando a predominância da opinião sobre a realidade das coisas.
O narrador do conto O segredo do Bonzo fala do que viu na cidade de Funchéu, onde andava com um amigo, Diogo Meireles. Em um ajuntamento de pessoas, alguém que se dizia matemático, físico e filósofo, afirmava ter descoberto a origem dos grilos: eles surgem da agitação do ar e das folhas de coqueiros. Em outra multidão, um homem dizia ter descoberto o princípio da vida futura, que estava em “uma certa gota de vaca”. O narrador então fica sabendo que nos dois casos estava sendo aplicada uma doutrina criada por um homem de muito saber, um bonzo de nome Pomada.
Os dois personagens fazem uma visita ao sábio Pomada, que assim resume sua doutrina: “A virtude e o saber tem duas existências paralelas: uma, no sujeito que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam.” Assim, segue o sábio, uma coisa pode existir na opinião sem existir na realidade. De outro lado, uma coisa pode existir na realidade sem existir na opinião. Disso ele conclui que “das duas realidades paralelas, a única necessária é a da opinião”. Eis aí a essência do pomadismo. O bonzo pomadista, como se vê, monta sua doutrina a partir de uma afirmação trivialmente verdadeira: uma coisa pode existir na opinião sem existir na realidade, e existir na realidade sem existir na opinião. A seguir o bonzo conclui: a única existência necessária é a da opinião. Isso, diz ele, é um “achado especulativo”. O jogo do bonzo, diz o narrador, consiste em “meter idéias e convicções nos outros”. Um de seus seguidores, Titané, o alparqueiro, usa o jornal para propagandear suas alparcas comuns, fazendo crer que elas são maravilhosas. O narrador do conto, por sua vez, ao praticar a doutrina, faz de conta que toca a charamela (um antepassado da clarineta) para uma audiência que se maravilha ouvindo ... nada! Diogo Meireles, por sua vez, encontra pessoas portadoras de uma doença que torna os narizes horrendos, e convence-as a deixarem que ele arranque os narizes. Eles serão substituídos por um “nariz são, mas de pura natureza metafísica, isto é, inacessível aos sentidos humanos”. Os viventes, desnarigados, ficam muito felizes com o novo nariz inexistente.
Na cidade de Fuchéu, capital do reino de Bungo, com o padre-mestre Francisco e outros, que acertaram disputar as primazias da santa religião.
Um dia, andando a passeio com Diogo Meireles, no ano de 1552, sucedeu depararmos com um juntamento de povo, em torno um homem da terra Patimau, que queria confirmar a origem dos grilos, os quais procediam do ar e das folhas de coqueiro.
Continuaram andando e viram outra multidão que o orador dizia ter descoberto o princípio da vida futura, quando a terra houvesse de ser inteiramente destruída, e era nada menos que uma gota de sangue de vaca; daí provinha a excelência da vaca para habilitação das almas humanas; e este homem chama-se Languru.
Sucedeu porém, costearmos a casa de um certo Titamé,, alparqueiro, o qual ocorreu a falar a Diogo Meireles, de quem era amigo.
No dia seguinte, foram à casa do bonzo chamado Pomada, um ancião de cento e oito anos, muito lido e sabido nas letras divinas e humanas, de quem os outros bonzos tinha ciúmes; ele disse: -a virtude e o saber têm duas existências paralelas, uma no sujeito que as possui e outro no espírito dos que o ouvem ou contemplam. Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo contato com outros homens, é como se eles não existissem, ou seja, não há espetáculo sem espectador. – Mal, pois, advinha o que me deu idéia da nova doutrina; foi nada menos que a pedra da lua, colocada no cabeço de uma montanha, dá claridade a uma campina inteira; tal pedra que ninguém nunca viu e que nunca existiu, mas que muitos que crê e dirá que viu com seus próprios olhos.
A conclusão é que das duas existências paralelas à única necessária é a da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente.
Nota: Bonzo = monge, servidor de um templo, estudioso de teologia e outras ciências humanas. No oriente antigo (século V a XV), a tradução da palavra Bonzo se refere ao homem religioso, sacerdote ou não, que por sua cultura geral, serve de conselheiro, psicólogo, curandeiro de males físicos e espirituais, além de mediador de discussões e desentendimentos em sua comunidade.

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