segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O CONTO DO CHAPÉUS

Por Alessandra Aparecida

Humilhada, repleta de despeito, Mariana resolve espairecer, indo visitar uma amiga, Sofia – “alta, forte, muito senhora de si”. Num ato de fraqueza, confessa a Sofia o motivo de sua visita e a amiga a convence a irem juntas passear na Rua do Ouvidor. No entanto, o passeio revela-se perturbador e Mariana, angustiada, anseia por voltar para a segurança do seu lar. Ao chegar em casa, porém, o marido comprou um chapéu novo e Mariana, ainda assustada, pede-lhe que volte a usar o chapéu de sempre.
O conto é dominado pelas figuras de duas mulheres: Mariana e Sofia. Personalidades opostas, elas representam dois mundos diferentes, mas próximos entre si, presentes na nova configuração da realidade brasileira da segunda metade do século XIX. Mariana é a mulher infantilizada e alienada num ambiente doméstico; sua vida resume-se a casa e seus objetos: Móveis, cortinas, ornatos supriam-lhe os filhos; tinha-lhes um amor de mãe; e tal era a concordância da pessoa com o meio que ela saboreava os trastes na posição ocupada, as cortinas com as dobras do costume, e assim o resto. Sua caracterização evidencia o quanto está de acordo com os ideais de feminilidade de um mundo marcado pela figura do patriarca: era uma criatura passiva, meiga, de uma plasticidade de encomenda, capaz de usar com a mesma divina indiferença tanto um diadema régio como uma touca. Ou seja, é uma criatura feita de clichês que servem para reafirmar o oposto, a virilidade masculina. Sua vida estreita, concorda com suas leituras: Os hábitos mentais seguiam a mesma uniformidade. Mariana dispunha de muitas poucas noções, e nunca lera senão os mesmos livros: a Moreninha, de Macedo, sete vezes; Ivanhoé e o Pirata, de Walter Scott, dez vezes; e Mot de l´enigme, de Madame Craven, onze vezes.
Em oposição à sua figura, há Sofia, uma mulher da nova sociedade: independente, resoluta, seus limites vão além da vida doméstica, estendendo-se para a rua: Sofia, prática daqueles mares, transpunha, rasgava ou contornava as gentes com muita perícia e tranqüilidade. Mais ainda, Sofia era honesta, mas namoradeira: o termo é cru e não há tempo de compor um mais brando. Namorava a torto e a direito, por necessidade natural, um costume de solteira. A relação das duas mulheres com os maridos segue esse caráter de oposição. Sofia domina o marido: Olhe eu cá vivo, muito bem com o meu Ricardo; temos muita harmonia. Não lhe peço coisa que ele não faça logo; mesmo quando não tem vontade nenhuma, basta que eu feche a cara, obedece logo. Não era ele que teimaria assim por causa de um chapéu! Pois não! Onde iria ele parar! Mudava de chapéu, quer quisesse, quer não.
Sofia possui certa consciência de seu desejo e aproveita-se do fato de ser objeto de desejo dos outros homens: sai para ser vista, seu olhar se desloca incessantemente para capturar o olhar do outro, numa postura ativa: Muitos eram os olhos que a fitavam quando ela ia à câmara, mas os do tal secretário tinham uma expressão mais especial, mais cálida e súplice. Entende-se, pois, que ela não o recebeu de supetão; pode mesmo entender-se que o procurou curiosa.
Sofia encarna o novo papel da mulher: a vida social é muito importante e o que vale é ver e ser vista.

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