quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Dicionário

Por: José Carlos Martins


RA: 165246

 
O Dicionário

Era uma vez um tanoeiro, demagogo, chamado Bernardino, o qual em cosmografia professava a opinião de que este mundo é um imenso tonel de marmelada, e em política pedia o trono para a multidão.

O pequeno, mas muito interessante conto, conta a história de um tanoeiro ambicioso que queria o trono para si. A primeira atitude que ele tomou foi a abolição da tanoaria, pois os tanoeiros eram uma ameaça para ele. Bernardino, pelo que retrata o conto, era um megalomaníaco que queria que todos e todas as coisas girassem em torno de si.

 A segunda coisa que fez foi mudar o seu nome: de Bernardino passou a se chamar Bernardão, nome de um general do século IV, Bernardus Tanoarius. Como Bernardino tinha várias deficiências, queria que todos os seus súditos se parecessem com ele. Como era calvo, decretou que todos fossem também calvos, por natureza ou por navalha; como tinha um calo no dedo mínimo do pé esquerdo, ordenou que todos tivessem um pequeno furo no sapato esquerdo para que melhor se parecesse com ele; como não enxergava bem, não foi diferente que todos também usassem óculos.

O agora Bernardus Tanoarius pretende se casar, para assegurar a dinastia dos Tanoarius.  Agora não lhe faltavam candidatas ao casamento, mas a que mais lhe agradou foi uma linda moça bonita e rica, chamada Estrelada, desejada por muitos. Bernardão ofereceu-a muitas coisas suntuosas e caras, mas mesmo assim ela resistia a essas grandezas, pois preferia secretamente um poeta, que lhe fizesse o melhor madrigal. Bernardão elaborou alguns concursos para concorrer ao casamento com Estrelada.
                                                                                                      
Ao primeiro, anônimo e secreto, concorreram vinte pessoas. Bernardus perdeu para o poeta amado. Anulou o concurso por meio de um decreto e elaborou outro, mas com a condição de que os poetas não se usassem palavras com menos de trezentos anos de idade. Novamente ele perdeu para o poeta amado. Anulou outra vez o concurso e elaborou outro, que seria composto do uso de palavras modernas e da moda. Terceiro concurso e terceira vitória do poeta amado.

Bernardão, muito furioso, abriu-se com os dois ministros, dizendo que queria uma solução, e, se não ganhasse a mão de Estrelada, mandaria cortar trezentas mil cabeças. Os ministros acharam a seguinte conclusão:

Nós, Alfa e Ômega, tivemos essa idéia: Vossa Sublimidade mande recolher todos os dicionários, para compormos um vocabulário que lhe dará a vitória. Assim fez Bernardão. Compuseram um livro chamado Dicionário de Babel, no qual as palavras eram todas destorcidas, escritas com sílabas a mais, consoantes sobre consoantes, etc.

Bernardão decretou o vocabulário e declarou que era o concurso final para ganhar a mão de Estrelada. Tal concurso causou muito alvoroço e todas as pessoas andavam atônitas com o novo vocabulário. Para dizer por exemplo, bom dia, como passou? A linguagem usada era: pflerrgpxx, rouph, aa? Deram noventa dias para o concurso e recolheram vinte madrigais. Apesar da língua bárbara, o poeta amado novamente venceu. Bernardão ficou alucinado e mandou cortar as mãos dos dois ministros, sendo a única vingança. Não magoou Estrelada.

Ficou desgostoso e passou oito dias na biblioteca, parece que a última coisa que leu foi a sátira do poeta Garção, especialmente estes versos, que pareciam feitos de encomenda:

O raro Apeles,
Rubens e Rafael, inimitáveis
                                           Não se fizeram pela cor das tintas;
A mistura elegante os fez eternos.

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