segunda-feira, 27 de setembro de 2010

CONTO ALEXANDRINO

Por Alessandra Aparecida

Em “Conto alexandrino”, de Histórias sem Data, ambientado na Alexandria dos Ptolomeus, em nome da ciência, um cientista mata lentamente milhares de ratos, procurando comprovar a teoria de que, ao beber o sangue de um animal, o homem adquiria suas características morais. Ao tomar o sangue de uma aranha, por exemplo, o homem desenvolveria o dom da música e, ao tomar o sangue de ratos, viraria ratoneiro, ou seja, ladrão. Stroibus e Pítias, os dois cientistas, aplicam, um no outro, doses de sangue de rato e tornam-se ladrões, roubando, primeiro, idéias um do outro e, depois, até manuscritos da Biblioteca de Alexandria. Flagrados, são condenados à morte.
Na prisão, como os demais, seriam entregues a experiências, sempre em nome da ciência. Escrito em pleno apogeu das teorias evolucionistas de Charles Darwin (1809-1882), discípulo e continuador da obra de Lamarck (1744-1839), este conto de Machado de Assis é uma sátira ao amor cego à ciência, ao mostrar que a mesma teoria aplicada aos animais pode ser aplicada ao homem de tal modo que ele acaba torturado. De certo modo, o autor antecipa, de modo premonitório, o terror nazista e as experiências do médico alemão Joseph Mengele (1911-1979) no campo de extermínio de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial.
Machado declara: "As idéias alheias, por isso mesmo que não foram compradas na esquina, trazem um certo ar comum; e é muito natural começar por elas antes de passar aos livros emprestados, às galinhas, aos papéis falsos, às províncias, etc. A própria definição de plágio é um indício de que os homens compreendem a dificuldade de confundir esse embrião da ladroeira com a ladroeira formal. Ora, idéias não são produtos de consumo como também não são produtos absolutamente originais. As idéias iniciamsempre in medias res para depois pro-cessarem o ato de leitura/escrita em papéis falsos, em livros emprestados, em galinhas e províncias, ou em interpretações inadequadas. Afinal, como diz o ditado popular: quem conta um conto aumenta um ponto. Ou seja, "fusão, transfusão, difusão, confusão e profusão de seres e de coisas", se encontram no sentido de destinerrance: o “embrião da ladroeira”, longe de ser mero plágio ou débito, é o que dá vida (sobrevida textual) a um destino, a uma herança e a uma errância de textos.

2 comentários:

  1. Ótima análise feita pelo autor. Agradeço imensamente, pois ao ler o Conto alexandrino não o situei no devido contexto histórico e tive dificuldades para interpretar. Agradeço ao autor pela maravilhosa explicação.

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