Em “Conto alexandrino”, de Histórias sem Data, ambientado na Alexandria dos Ptolomeus, em nome da ciência, um cientista mata lentamente milhares de ratos, procurando comprovar a teoria de que, ao beber o sangue de um animal, o homem adquiria suas características morais. Ao tomar o sangue de uma aranha, por exemplo, o homem desenvolveria o dom da música e, ao tomar o sangue de ratos, viraria ratoneiro, ou seja, ladrão. Stroibus e Pítias, os dois cientistas, aplicam, um no outro, doses de sangue de rato e tornam-se ladrões, roubando, primeiro, idéias um do outro e, depois, até manuscritos da Biblioteca de Alexandria. Flagrados, são condenados à morte.
Na prisão, como os demais, seriam entregues a experiências, sempre em nome da ciência. Escrito em pleno apogeu das teorias evolucionistas de Charles Darwin (1809-1882), discípulo e continuador da obra de Lamarck (1744-1839), este conto de Machado de Assis é uma sátira ao amor cego à ciência, ao mostrar que a mesma teoria aplicada aos animais pode ser aplicada ao homem de tal modo que ele acaba torturado. De certo modo, o autor antecipa, de modo premonitório, o terror nazista e as experiências do médico alemão Joseph Mengele (1911-1979) no campo de extermínio de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial.
Machado declara: "As idéias alheias, por isso mesmo que não foram compradas na esquina, trazem um certo ar comum; e é muito natural começar por elas antes de passar aos livros emprestados, às galinhas, aos papéis falsos, às províncias, etc. A própria definição de plágio é um indício de que os homens compreendem a dificuldade de confundir esse embrião da ladroeira com a ladroeira formal. Ora, idéias não são produtos de consumo como também não são produtos absolutamente originais. As idéias iniciamsempre in medias res para depois pro-cessarem o ato de leitura/escrita em papéis falsos, em livros emprestados, em galinhas e províncias, ou em interpretações inadequadas. Afinal, como diz o ditado popular: quem conta um conto aumenta um ponto. Ou seja, "fusão, transfusão, difusão, confusão e profusão de seres e de coisas", se encontram no sentido de destinerrance: o “embrião da ladroeira”, longe de ser mero plágio ou débito, é o que dá vida (sobrevida textual) a um destino, a uma herança e a uma errância de textos.
Ótima análise feita pelo autor. Agradeço imensamente, pois ao ler o Conto alexandrino não o situei no devido contexto histórico e tive dificuldades para interpretar. Agradeço ao autor pela maravilhosa explicação.
ResponderExcluirvsf puxa saco do crl
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