segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Conto: Um Erradio

Por: Daiane Silva dos Santos R A: 164727

Tosta estava em casa com mulher, fazia um mês de casados, quando sua mulher perguntou-lhe quem era o homem representado numa velha fotografia, achada na secretaria do marido . Então Tosta começou a contar sobre o relacionamento essa grande amizade e a vida desse amigo.


Este amigo chamava-se Elisiário, homem alto sério, moreno, sempre vestido com uma infinita sobrecasaca cor de rapé que os rapazes chamavam de “opa”.

Havia uma simples sala, assim era a casa, sublocada por um alfaiate na Rua do Lavradio 1866, onde moravam vários rapazes, e apareciam outros, eram todos estudantes, tradutores, revisores, namoradores, e ainda lhes sobravam tempo para redigir uma folha política e literária, publicada aos sábados. De vez em quando, Elisiário aparecia por lá com sua grande opa que podia embrulhar o mundo. Ele era o mais velho entre os freqüentadores da casa, tinha trinta e cinco anos, a relação dele com os rapazes era de tio para sobrinhos, inclusive com Tosta de apenas dezoito anos, mas nessa relação havia um pouco menos de autoridade e mais liberdade que a de tio com sobrinhos.

Tosta começou a freqüentar a casa da Rua do Lavradio, mas durante os primeiros dias não apareceu Elisiário. Diziam que suas visitas eram incertas, tinha temporada, as vezes ia todos os dias, as vezes falhava e só aparecia uma duas ou três semanas depois. Era professor de Latim e explicador de matemáticas, mas não era formado em nenhum curso. Era poeta de improviso, não escrevia os versos, mos outros é que ouviam e copiavam suas poesias. Não tinha família, tinha um protetor, o Dr. Lousada, operador de algum nome, que por dever favores ao pai de Elisiário, quis pagá-los ao filho.

No fim de semana apareceu Elisiário na Rua do Lavradio. Apareceu com a idéia de escrever um drama, mas ditaria e queria que Tosta escrevesse. E começaram, mas quase no final do drama o poeta desiste . Para Tosta era um crime não terminar um drama tão bom quanto aquele, mas para Elisiário aquilo não prestava para nada, então continuaram com outra conversa, Tosta era questionado sobre sua vida, quem eram seus pais então respondeu que não tinha mãe e que seu pai era Lavrador em Baturité e ele estudava preparatórios, intercalando com versos, andava com idéias de compor um poema, um drama e um romance. Elisiário propôs a ajudar o menino dando aula de latim, francês, inglês, história...E cheio de orgulho, disse ao moço:

-Quero fazer de você um homem.

Muitas vezes ficávamos dois sozinhos na Rua do Lavradio, o poeta falando e o rapaz ouvindo e Não se cansava de ouvi-lo.

Era comum encontrar Elisiário nos lugares mais distantes uns dos outros como Botafogo, São Cristóvam, Andaraí. Chamava-se a si mesmo um erradio:

-Eu sou um erradio. No dia em que parar de vez, jurem que estou morto.

Certo dia estavam na casa da Rua do Lavradio. Elisiário trazia no peito da camisa um botão de coral, objeto de grande espanto e aclamação da parte dos rapazes que nunca o viram com jóias. Ele explicou que era um presente de anos, Tosta perguntou se foi o velho amigo Lousada que lhe dera o presente, Elisiário respondeu:

-Não, foi a filha...

Então voltou a falar de seu amigo Lousada, elogiou-o dizendo que tinha suas letras clássicas, além de ser excelente médico, mas o melhor dele era alma...

Quiseram tornar Elisiário deputado, pois teria boas idéias além de um ótimo orador parlamentar. Mas esse cargo não cabia a Elisiário, pois não queria obedecer compromissos, ficar calado e só falar quando lhe chegasse a vez. Queria ter a liberdade de alterar as horas das reuniões, uma de manhã, uma de noite, uma de madrugada...

Havia três semanas que os dois amigos não se viam, até que em uma noite, por volta das dezenove horas, chega Elisiário na pensão, aos prantos, Tosta assombrado perguntou:

- Que é? Que foi?

Então ele responde:

- Casei-me sábado...

Disse que era um casamento de gratidão, não de amor, uma desgraça, e repetia baixinho por várias vezes a palavra desgraça.

Explicou que não que ela não lhe amasse, ao contrário, morria de amores por ele há sete anos. Ela tinha vinte e cinco e era uma boa criatura . Tosta ficou sabendo que a mulher era a filha do Dr. Lousada, a mesma que lhe deu como presente o botão de coral. Para finalizar disse que morava com o sogro, mas que não procurasse por ele e aconselhou Tosta a nunca se casar por gratidão, nem por interesse, só casasse se tivesse vocação.

E desceu as escadas de cabeça baixa com sua sobrecasaca que embora sempre alegre, nesta noite se encontrava triste.

Após este dia só se encontraram após dez meses, pois Tosta foi visitar seu pai no Ceará nas férias e Elisiário também viajou para Rio Grande do Sul. O encontro aconteceu em Santa Teresa, em uma casinha pequena, Elisiário abraçou-o com alvoroço e falaram de coisas passadas, até que Tosta pergunta dos versos e seu amigo responde que publicou um volume em Porto Alegre, que não foi por vontade dele, mas de sua mulher que após muito teimar seu marido acabou cedendo.

Falavam do passado, da rua do Lavradio, ficaram duas horas conversando até que Tosta ao se despedir do amigo é interrompido:

-Você ainda não viu minha mulher, disse Elisiário. E indo à porta que dava para dentro gritou o nome de sua mulher: - Cintinha!

D. jacinta chegou logo depois, com seus vinte e seis anos, mais feia que bonita, mais baixa que alta, expressão boa e séria e muito simpática, recebeu-o muito bem, pois seu marido falava muito desse antigo amigo.

As visitas eram constantes e tanto seu amigo, quanto sua esposa incentivavam Elisiário a escrever seus versos, seus dramas, mas ele aos poucos ia perdendo a vontade, mal escrevia, as vezes até soltava alguns versos, mas não com o mesmo amor de antes.

Assim se passaram anos. D. Jacinta planejava desposá-lo, já que seu marido não era mais o mesmo artista de antes, quando solteiro tinha tempo e inspiração para seus versos, infelizmente o matrimônio atrapalhou essa inspiração de outrora, além disso não casou-se por amor,casou-se por imensa admiração por aquele gênio e ele também casou-se por obediência, pensava Cintinha.

O resultado dessa idéia foi inteiramente o oposto às esperanças da moça. O poeta, em vez dos louros, enfiou uma carapuça na cabeça, e mandou bugiar a poesia. Acabou em nada. Para o fim dos tempos nem lia já obras de arte. D. Jacinta padeceu grandemente ; viu esvair-se lhe o sonho, e, se não perdeu, antes ganhou o latim na qual o marido havia lhe ensinado, perdeu aquela língua sublime em que cuidou falar as ambições de um grande espírito. Desconsolada, concluiu que o casamento estirilizara uma inspiração que só tinha ambiente na liberdade do celibato. Sentiu remorsos.

Para Tosta, Elisiário era o mesmo erradio, ainda que aparecesse mais pousado, era também um talento de pouca dura; tinha de acabar, ainda que não casasse. Não foi o matrimônio que lhe tirou inspiração, pois a quietação e o método não acabariam com o poeta, se a poesia nele não fosse uma grande febre da mocidade...pelo menos em Tosta é que não passou de uma rápida constipação da adolescência.

-Pede-me Tu amor, que o terás; não me peças versos, que desaprendi há muito, concluía Tosta beijando a mulher, a mesma mulher do início do Conto que perguntava do homem da fotografia.

Aí tens o que era esse homem fotografado em 1862. Em suma, boa criatura, muito talento, excelente conversador, alma inquieta e doce, desconfiada e erradica, sem futuro nem passado, sem saudades nem ambições, simplesmente, um erradio.

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