terça-feira, 12 de outubro de 2010

A CHINELA TURCA

Por: Gilson Santana

O conto A chinela turca de Joaquim Maria Machado de Assis faz parte da coletânea Papéis Avulsos e conta o drama vivido pelo bacharel Duarte que havia acabado de compor o mais teso e correto laço de gravata que apareceu no ano de 1850, quando por mais de nove horas da noite anunciam-lhe a visita do major Lopo Alves. Duarte estremeceu, e tinha duas razões para isso. A primeira era ser o major, a segunda é que ele preparava-se para ir ver, em um baile, os mais finos cabelos loiros e os mais pensativos olhos azuis que este nosso clima, tão avaro deles, produzira. Datava de uma semana aquele namoro. Três dias depois, estava a caminho a primeira carta, e pelo jeito que levavam as coisas não era de admirar que, antes do fim do ano, estivessem ambos a caminho da igreja. Nestas circunstâncias, a chegada de Lopo Alves era uma verdadeira calamidade. Velho amigo da família, companheiro de seu pai no exército, era impossível despedi-lo ou tratá-lo com frieza. E o major era aparentado com Cecília, a moça dos olhos azuis. Duarte enfiou um chambre e dirigiu-se para a sala, onde Lopo Alves, com um rolo debaixo do braço e os olhos fitos no ar, parecia totalmente alheio à chegada do bacharel. Duarte questiona sobre a visita e responde que vai ao Rio Comprido, a uma festa na casa das Meneses. Lopo Alves dia que sua mulher e filhas já devem está lá, mas que ainda é cedo para Duarte sair, terá tempo de dançar se tiver ou se não tiver namorada. E começa a informar o motivo da visita, diz que escreveu um drama, que o serviço militar não conseguiu curar os achaques literários que tinha desde criança. Ao passo que Duarte disse que recomendaria o drama a alguns amigos. Mas na verdade, Lopo Alves deseja que o amigo leia e diga francamente o que pensa da peça, o que amargura Duarte pelo desejo que tem de ir a festa e encontrar-se com Cecília. O drama dividia-se em sete quadros. Esta indicação produziu um calafrio no ouvinte. Nada havia de novo naquelas cento e oitenta páginas, senão a letra do autor. Eram quase onze horas quando acabou a leitura do segundo quadro. Duarte mal podia conter a cólera; era já impossível ir ao Rio Comprido e, a leitura de um mau livro é capaz de produzir fenômenos ainda mais espantosos. E ele só pensava em Cecília. Voava o tempo, e o ouvinte já não sabia a conta dos quadros. Meia-noite soara desde muito; o baile estava perdido. De repente, viu Duarte que o major enrolava outra vez o manuscrito, erguia-se, empertigava-se, cravava nele uns olhos odientos e maus, e saía arrebatadamente do gabinete. Duarte quis chamá-lo, mas o pasmo tolhera-lhe a voz e os movimentos. Mal suspirou, quando o moleque veio anunciar-lhe a visita de um homem baixo e gordo. O que deixou Duarte mais irritado, porque não compreendia o motivo de uma visita àquela hora. Era um policial que acusava Duarte de um delito grave: a subtração de uma chinela turca, o que lhe pareceu ser um engano, tentou justificar, mas não adiantou, dentro de alguns segundos, viu entrar cinco homens armados, que lhe lançaram as mãos e o levaram, escada abaixo, sem embargo dos gritos que soltava e dos movimentos desesperados que fazia. Descobriu que os homens não eram da polícia e o levaram a uma casa ricamente ornada e deduziu que a metáfora da chinela era referente a Cecília. Um homem de uns 55 anos sentado a sua frente explicou que ele tinha razão, que teria que se casar, fazer um testamento e depois tomar veneno, o que ele rejeitou quando viu que a noiva, apesar de bela, não era Cecília, tomando o conselho do suposto padre, fugiu pela janela e livrou-se dos homens lá fora, indo parar depois de muita correria à casa de Lopo Alves que sentado ao ler o jornal, sente-se vingado e acompanha Duarte até a porta e que só consegue observar minutos depois que teve naquela noite um bom negócio e uma grave lição que o melhor drama está no espectador e não no palco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário